quinta-feira, 29 de abril de 2010


E diz-me lá, inútil pragmático, onde estavas tu, imbecil destemido, quando o comboio me passou por cima e me esmagou os restos que não quiseste devorar, abutre? Onde é que estavas? Eu ali, partida ao meio, trespassada pelo carril que tantas vezes te transportou o desejo sôfrego de outros seios. E tu nos copos, no vadio, na bebedeira e na farra, de cigarro na boca e peito arrogante. Orgulho de merda, meu filho da puta, que eras tão herói, tão herói e nunca me soubeste salvar.
Até deves ter vacilado de entusiasmo, repleto de tesão nojenta, quando te descreveram o meu corpo desfeito e desmembrado. Alagada em sangue, trespassada, despedaçada, sem cara nem curvas, um monte de órgãos dispersos pela linha – como tu cogitavas e aprontavas.
Estás satisfeito? Agora vá lá, imbecil destemido, pega em mim e faz o que quiseres. Viola-me, ofende-me, rasga-me, despedaça-me ainda mais. Quem leva uma sova leva as que forem precisas até morrer. E um morto não sente mais nada.

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